setembro 10, 2002

ARARINHA AZUL



Praia de Piúma, ES, madrugada. Uma conchinha se debate na areia para retornar ao mar. Mas o fluxo e refluxo das ondas era traiçoeiro. Ora a levava de volta ao mar, ora a jogava para mais distante de onde queria ficar. Tentou todas as possibilidades. Com a parte côncava virada para areia, só se movia com ondas fortes. Com a parte convexa para baixo, movia-se com qualquer tipo de ondas. Mas, de qualquer maneira, ficava restrita apenas àquele ir e vir. Até que a maré baixou e ela ficou cinco metros distante das águas do mar.

A conchinha ficou angustiada, deprimida porque não estava acostumada a ter como companhia detritos de construção, canudinhos plásticos, palitinhos, papéis, enfim, qualquer tipo de lixo provocado pelos humanos, principalmente o cocô. Que sina! Não fazer cocô e ter que conviver com cocô.

Mas ao desligar-se do movimento das ondas, olhou para um lado, para os quatro lados e percebeu que não estava sozinha. Perto de si havia centenas de amigas conchas e cornetinhas. Para acabar com o aperto no coração, que lhe consumia, resolveu conversar com a semelhante mais próxima.

— Noite linda, amiga!

— Linda!

— Estou aborrecidíssima. Pensando bem, por que eu não nasci um cisne? Felizes os cisnes que flutuam em águas cristalinas dos lagos imperiais e ouvem valsas de Straus.

— Eu me contentaria em ser uma pavoa. Embora não tão nobre, é provável que o viveiro dela seja mais limpo do que esta praia aqui.

Uma conchinha miudinha e branquinha entrou na conversa:

— De todos os meus desejos, prefiro o que eleva a alma! Ficaria extremamente feliz em ser aquela pomba branca que carrega o espírito santo.

Eis que surge uma concha encorpada, veios firmes, peitos de haltere, com jeito de general:

— Alto lá! — Entregar jamais! Tenho um plano para acabar com essa invasão indesejável!

Ao ouvirem aquela voz firme, de comando, de líder nato, milhares de conchinhas e cornetinhas se aproximaram para ouvir o plano que, a bem da verdade, era uma estratégia militar, ouçam-no:

— Vamos formar dois regimentos. Cada regimento será dividido em 2 batalhões, que por sua vez serão divididos em 3 companhias, cada. O primeiro regimento será formado pelas cornetinhas. Os batalhões serão formados de acordo com as pontas de cada uma. Formará o primeiro, aquelas que tiverem as pontas mais compridas e finas de mesma medida de acordo com a nossa escala; o segundo, aquelas que ficarem fora do padrão. Caberá a este regimento a linha de frente. Lutarão em trincheiras para não serem vistos e permanecerão firme com as pontas para cima. O segundo regimento será formado pelas conchinhas. Na formação dos batalhões tomar-se-á por base o mesmo critério das cornetinhas. As maiores e mais cortantes formarão o primeiro batalhão. O segundo regimento dará cobertura ao primeiro. Lutará a céu aberto. Mas todos têm o objetivo principal de defender o nosso mar. Fiquem firme! Ganharão honrarias militares aquelas que mais pés de humanos perfurarem ou cortarem! Avante!

— Calma! Calma! — Calllllma General! O homem não pode ser tão maltratado assim, interveio uma cornetinha. Sei que não vivemos bem por causa dele. Mas chegará a hora que ele tomará consciência disso. Tomou para com as reservas indígenas; para com a mata atlântica; para com as baleias; para com o mico-leão-dourado, e até para com a ararinha azul. A propósito, sonhar por sonhar queridas, eu prefiro ser uma ararinha azul que, além de linda e delicada, está muito bem protegida da extinção pelo IBAMA e tornou-se objeto de propaganda do governo. Agora, de concreto mesmo, pé na areia, o que precisamos é nos unir, criar um partido aberto disposto a fazer coligações com todos aqueles que embelezam o mar. Sugiro o partido verde, uma democracia ecológica... (discursava sem parar, parecia plágio dos discursos do Gabeira).

Quanto mais a cornetinha discursava, mais a platéia aplaudia. Ficaram no discurso até o sol raiar. Antes dos banhistas, apareceram os catadores profissionais de conchas. Escolheram aquelas que consideravam adequadas para artesanato. Entre as escolhidas estava a maioria que manifestou algum desejo ou opinião. Coincidentemente, quatro das que se manifestaram fizeram parte de um lote de souvenir vendido a um lojista de Belo Horizonte. A primeira, de cor petróleo, que queria ser um cisne, virou apenas uma asa, mas, com outras, compôs um belo cisne; a segunda, carijó, que queria ser pavoa, ajudou a compor uma bela pavoa; a terceira, alva e pura, também compôs o oratório do sagrado coração de Jesus; a última, a cornetinha, exatamente a mais falante, com cara de Gabeira, que apenas sugerira querer ser uma ararinha azul, virou o bico de uma ararinha azul. Todas tiveram os desejos parcialmente satisfeitos, salvo a que quis bancar o general. Esta continua misturada com os cocôs.



Texto escrito pelo estudante de Jornalismo J.B. Guimarães , esse e mais alguns bem legais estão no www.cartasdocerrado.com.br



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